Thursday, January 18, 2007


por uma mão cheia de pó, atravessei um deserto de nadas. esta luz que não ilumina. esta parede que não me afasta.

Sunday, November 26, 2006

Da vida.

"(...) Naquela hora da noite conhecia esse grande susto de estar viva, tendo como único amparo apenas o desamparo de estar viva. A vida era tão forte que se amparava no próprio desamparo."

Wednesday, November 15, 2006

Porque HOJE é mesmo como me sinto!

Hoje não me perguntem nada....Não me chateiem com assuntos.Não me peçam explicações.Não esperem que escolha, que decida!Não me forcem a pensar.Não me macem com casos com barulhos...Não expliquem,não racionalizem,não tirem conclusões...não quero conteúdo.Vamos viver de silêncios, hoje!E fingir que somos assim...Calados. Hoje digo adeus às coisas que não preciso que me façam...ou digam...ou sei lá mais o quê.Canso-me tanto às vezes...
Rita

Monday, November 13, 2006

Da morte.


Houve um esforço de sentir para o qual ele não estava de forma alguma preparado. Aquela palpitação regular foi-lhe surpreendente.
Durante a viagem, foi sendo assaltado por memórias aleatórias, o que o enfureceu. Não era em nada disso que ele queria pensar, não era assim que ele sentia que devia ser! Imagens dos intermináveis comboios nocturnos que o transportavam para longe, quando vivia no outro lado; lembranças azedas de jogos de futebol adolescentes; a sua mãe depositando na cadeira a roupa que ele haveria de levar para a escola na manhã seguinte… Não!
Tentou afastar tais revisitações concentrando-se em imagens mórbidas com a intenção de se preparar – mas não conseguiu mais do que uma listagem de fotogramas recolhidos directamente da sua cultura audiovisual, organizados por grau de horribilidade. Estremeceu de desolação: a sua imaginação era cadavérica, quando comparada com essa coisa da realidade.

No lugar da igreja o ar estava fresco. Enquanto caminhava, concentrou-se com prazer no som agradavelmente ritmado que os seus pés causavam no tapete de folhas secas que cobria o chão. Sentiu os olhos postos em si quando cruzou o adro – olhos cabisbaixos e perscrutadores, olhos que o faziam sentir-se em falta.
Decidiu então que devia carregar com peso o seu próprio olhar – e pesadamente se arrastou pela nave central em direcção ao transepto onde, no meio de cachos a florir, repousava uma urna aberta. Todas as imagens de santos nos altares laterais, todos os apóstolos nos frescos do tecto, todos os Cristos das etapas litúrgicas – todos eles estavam virados para si. Ouviam-se as mil vozes idosas de terços rezados em cascatas tribais. Este ambiente sugeria-lhe uma exaltação da derrota, um pedido de perdão colectivo pela inferioridade e falibilidade humana – e isso esmagava-o.
Estacou. Susteve a respiração até ouvir o silêncio do coração a bater e deu o passo que faltava até à total proximidade com o corpo. Saltou à vista naturalmente um tufo de cabelos brancos que o véu não velara.

A palpitação desregulou-se.

Sonhos

Olá equipa... deixo aqui um post para nos fazer sonhar, que é tão importante!!
Beijinhos

A tout a l'heur, Sven Nykvist!


Já morreste há dois meses, Sven Nykvist. Mas, sabes, estive a ver 'A hora do lobo', e reparei uma vez mais como tu eras o mais genial de todos os directores do fotografia de toda a história do cinema. Claro que contigo Bergman ou Tarkovsky, e até um Woody Allen menos cabotino, bem se entendiam. Todos te aplaudiram, e muito bem - e tu, humildemente, replicavas que tudo o que fazias era deixar a imagem respirar. Já morreste há dois meses, Sven Nykvist. Mas estarás constantemente a ser (re)descoberto por todos os comedores de filmes. E tu gravaste o teu nome em tantos. Adeus, e até já.

Sunday, November 12, 2006

Martin Scorsese, R.I.P.

Caro Martin Scorsese:

Estou chateado contigo. Porquê? Porque é que apostaste nisto? Ouvi dizer que nem sequer
viste o 'Infernal Affairs' original. Pois. Não era um grande filme, mas
sempre era menos redundante do que o que tu fizeste.
Matt Damon?! Mas quem é esse?! Mark Whalberg?! Porquê esses
actores?
Se tivesses visto o filme, sabias que a fotografia do Christopher Doyle lhe conferiu um efeito que tu simplesmente rejeitaste, que é o da abstracção e de «anonimato» de grande metrópole que rima com a perda de identidade dos dois personagens principais (que não tendo como profissão repórteres, são na verdade passengers), por via de uma fotografia azulada, estilizada até ao quase surreal, que dava uma atmosfera que o teu filme ignora, e mal. Porque, por exemplo, aquela cena final no telhado era um ponto da
existência dos dois personagens que não era céu nem terra. No teu
filme, e na estética BD em que investiste, com salpicos de sangue por todo
o lado, essa cena é clara e directa - não me dá nada de profundo, nada que não o meramente visual, que ainda por cima não é nada próximo do melhor que já fizeste (e ainda não há muitos anos nos deste um magnífico 'Bringing out the dead'). Ora isto impediu-me de te levar a sério - bem como as notas
de humor de todos -todos- os personagens.
E quanto àquela infeliz ideia da partilha da mulher-confidente-amante pelos dois lobos? Estás parvo?! Não pensaste que poderia ser ridículo e que anula a interessante ideia do argumento de jogo de gato e rato?
Estou desiludido contigo, Martin Scorsese. Não é que alguma vez tenhas
representado muito para mim, gosto de ti relativamente. Mas este filme...
depois de me causares náuseas com 'The Aviator'... Este filme, decididamente,
NÃO.

hapiness is a warm gun

Edna toma mais um comprimido. É o quarto.
“Hoje é quarta-feira. Foi um bom dia, sorri. Quando sorrio, significa que consigo enganar o meu corpo, a minha doença. É um velho truque que tenho. Hoje sorri. Senti-me sortuda e sorri. O Robert ofereceu-me um cartão do dia da Mãe, todo feito por ele! Acho que a professora o ajudou, mas não tive coragem de perguntar. Desenhou caras sorridentes por todos os lados do cartão, como se todo o mundo gritasse em coro: Feliz dia da Mãe! Feliz dia da Mãe!... Eu não tenho medo das pessoas.”
Edna está estendida no chão. Ainda assim, esta rapariga não perdeu grande coisa. “I need a fix ‘cause I’m going down, down to the place that I left uptown, I need a fix’cause I’m going down.”
Eis Leonidas: “Acorda, mulher, acorda. Veste-te.” Está sentado no chão a olhar para ela.
“Tens um funeral para ir. Veste-te.” Ela, atordoada, serve-se abusivamente da garrafa enigmática que Leonidas empunha. Mais um comprimido.
-“O que tomas, mulher?”
-“Chamam-se Borisvianol, e são azuis como o arrepio…”
-“Sabes que dia é hoje?”
-“Hoje é quarta-feira!”
-“Exactamente!”, canta uma vistosa drag-queen que de rompante invade este quarto.
-“E quem és tu, ser abjecto? Estará S. Pedro de diarreia?” – Leonidas está furioso e desembaínha a espada.
-“Bem, costumam chamar-me Ratzinger”, e ri-se num tom forçado e o mais masculino possível. Depois endireita-se e adopta uma face cabisbaixa e pateticamente triste, como um palhaço pobre – “Bom, na verdade chamam-me assim porque não sou tão bela como as outras fufas lá do clube, e como vou cantando enquanto faço mamadas (assim não me enojam tanto…), dizem que sou uma ratazana cantora…” Nisto, faz um olhar severo, cerra os punhos e bate um contra o outro e proclama: “Mas para vocês, sou a Madre Superiora.” (Neste momento seria possível imaginar um chicote a estalar, mas não se verificou).
Esta revelação faz incendiar a tensão que aquele particular espaço-tempo ainda poderia conter.
-“A minha espada continuará desembainhada, Madre Superiora!”, lança Leonidas exaltadamente. “Os problemas de Cristo são lastro neste lar! Vai-te! Vai-te, ou provarás com o teu sangue porque é que o tempero da minha espada é repetidamente elogiado pelo Conde de Michelin!”
A Madre Superiora não recua; na verdade, é ainda capaz de empunhar a besta que trazia escondida debaixo do hábito de um antigo monge. Enquanto ela calibra a mira, Edna grita “Não! Não! Não!!!” correndo às voltas como um pirata com o síndrome de Downing. Quando decide parar e levantar a cabeça, repara assustada que, embora ainda de besta em posição de ataque, o corpo da Madre Superiora já não ostenta cabeça. Esta está na mão de Leonidas, que orgulhoso, proclama:
-“Mais uma vitória contra os evil-makers! Sou eu o justo defensor do vício da justiça! Do justamente viciado! Do genericamente vivido!”
-“Temos um funeral para ir.” Edna está vestida de preto mas com a maquilhagem borratada a cobrir-lhe as maçãs do rosto.
Mais um comprimido. É o quinto ou sexto.
(sem...)
aparelhos em casa sem mim
sem abrigo e velhos
saio de casa sem mim
saio de casa sem mim
saio de casa sem mim